A manobra de Vladimir Putin

Imagem: Telegram
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ALEXANDRE DE LIMA CASTRO TRANJAN*

O motim do grupo Wagner foi um estratagema político para Putin aumentar seu poder e realizar avanços táticos sobre a Ucrânia

Os últimos dias na Rússia despertaram o interesse e a atenção de todos nós. Acompanhamos, atônitos, o que nos disseram ser o começo do fim do comando de Vladimir Putin sobre o país. Logo, porém, o motim do grupo Wagner se mostrou, ao que tudo indica, um glorioso teatro que, diferentemente do que os “analistas” e “especialistas” de diversos meios de comunicação insistem em dizer, apenas consolida o poder do autocrata. Não, Vladimir Putin não está “enfraquecido” nem “chamuscado”, nem esteve à beira de perder seu posto. Na verdade, a manobra do motim do grupo Wagner foi nada mais que um estratagema político para aumentar seu poder e realizar avanços táticos sobre a Ucrânia.

Em três pontos, listados no que creio ser uma ordem crescente de importância, tratarei de forma breve e didática as razões pelas quais, seja de improviso ou de caso pensado, o desfecho do tal motim de Wagner foi, por parte de Vladimir Putin, uma jogada de enxadrista à la Kasparov – este que, campeão mundial de xadrez e não de análise de conjuntura, acha que a invasão russa na Ucrânia está fracassando.

Talvez seja preciso alertar sobre a inexistência de pretensões de originalidade em minha análise. Se, deleuziano que sou, já não acredito em discurso direto, e uso o pronome pessoal por comodidade estilística e necessidade gramatical, devo reconhecer que, independentemente das premissas que sigo em filosofia da linguagem e da subjetividade, este texto em especial conta com a contribuição de variados amigos, professores e colegas que, em enriquecedoras conversas, ofereceram-me valiosas e perspicazes contribuições, bem como me permitiram colocar à prova minhas observações “próprias”.

Polimento de imagem do grupo Wagner e desmoralização do exército ucraniano

Se o que tem até então se mostrado um retumbante fracasso na contraofensiva há tanto tempo prometida por Kiev já não fosse suficiente para evidenciar a triste fraqueza do exército ucraniano perante as forças russas, o mundo testemunhou e depositou sua fé sobre a possibilidade de uma dissidência interna entre militares e paramilitares do país invasor derrubar o regime putiniano.

Do dia para a noite, o sanguinário grupo mercenário se tornou a principal esperança de derrubar ou, ao menos, enfraquecer o Kremlin a ponto de tornar a guerra vencível. Pouco antes do acordo, Kiev emitia a declaração de que Prigozhin havia “humilhado” Putin. Talvez seja mais humilhante, de fato, depender de uma solução ex machina para sobreviver à guerra, depois de tantas declarações de que a venceriam, de que os russos eram fracos e despreparados etc.

O possível “pente-fino” na burocracia estatal russa

Finda a tal “marcha por justiça” de Wagner, que facilmente poderia ser massacrada pela até aqui hegêmone força aérea russa, fica evidente o quão pequenos são nomes como o de Shoigu, ministro da defesa, perante Vladimir Putin. Ademais, a quem porventura tenha se empolgado com a insurgência wagneriana, um destino não tão agradável estará por vir, certamente, ao menos, bem longe dos escalões de poder de Moscou. O teatro da insurreição de Wagner foi um teste de fidelidade dos escalões do governo de Vladimir Putin, ao mesmo tempo que uma demonstração de sua submissão ao presidente russo.

A Bielorrússia pronta para a guerra

Enviar Prigozhin para a Bielorrúsia é, no mínimo, prova da hegemonia de Putin e de seu poder de comando. Ninguém duvida que o levante seria trucidado, a menos que se tornasse um golpe apoiado pelo próprio exército, o que seria improvável, já que é ao próprio alto escalão da força militar russa que o líder do Wagner criou oposição.

O “exílio” na Bielorrússia, país que acaba de receber armas nucleares táticas de Moscou, não deve ser lido senão como um movimento bastante estratégico. Belarus, agora munida nuclearmente, o que afastaria qualquer represália direta por parte de seus vizinhos da OTAN, também abrigará a tropa que tomou Bakhmut para sua defesa ou, muito mais provavelmente, servirá de ponte para que Kiev seja tomada de assalto.

Isso porque a fronteira sul da Rússia Branca (Беларусь/Белая Русь) fica a cerca de 150km da capital daquela que outrora fora chamada de Pequena Rússia (Малороссия ou Малая Россия), distância que pode ser encurtada se percorrida pelo Rio Dnipro. Em poucas horas, um comboio do grupo paramilitar pode cercar Kiev sem grandes sustos. Se a guerra, que até então tem servido para drenar as reservas e a produção industrial de Estados Unidos e Europa, porventura se tornar um real problema para Vladimir Putin, que até agora só capitalizou politicamente com o conflito, ela pode ser acabada em pouquíssimo tempo.

Alexandre de Lima Castro Tranjan é doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito na USP.

A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Paulo Nogueira Batista Jr Michael Roberts Ronaldo Tadeu de Souza Luiz Roberto Alves Luciano Nascimento Mariarosaria Fabris Paulo Martins Juarez Guimarães Tadeu Valadares André Singer Luiz Werneck Vianna Plínio de Arruda Sampaio Jr. Francisco Pereira de Farias Eugênio Bucci Ronald Rocha José Dirceu Dennis Oliveira João Sette Whitaker Ferreira Gerson Almeida Valerio Arcary Jean Pierre Chauvin Daniel Brazil Luís Fernando Vitagliano Mário Maestri Francisco de Oliveira Barros Júnior Lorenzo Vitral Matheus Silveira de Souza Chico Whitaker Renato Dagnino José Geraldo Couto Rafael R. Ioris Leonardo Avritzer João Paulo Ayub Fonseca Marilia Pacheco Fiorillo Luiz Eduardo Soares José Luís Fiori Ricardo Musse Carlos Tautz Fernando Nogueira da Costa Celso Favaretto Milton Pinheiro João Feres Júnior Remy José Fontana Francisco Fernandes Ladeira Vinício Carrilho Martinez Henri Acselrad Everaldo de Oliveira Andrade Ronald León Núñez Berenice Bento Elias Jabbour Igor Felippe Santos Salem Nasser Leonardo Sacramento Bruno Machado Luis Felipe Miguel Fábio Konder Comparato Maria Rita Kehl Rubens Pinto Lyra Tales Ab'Sáber Denilson Cordeiro Eduardo Borges André Márcio Neves Soares Jorge Luiz Souto Maior Flávio Aguiar Claudio Katz Osvaldo Coggiola João Adolfo Hansen Otaviano Helene Antonio Martins Marcos Silva Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Érico Andrade Henry Burnett Valerio Arcary Vladimir Safatle Ladislau Dowbor Afrânio Catani Eleonora Albano Paulo Sérgio Pinheiro Carla Teixeira Antônio Sales Rios Neto Gabriel Cohn Alexandre Aragão de Albuquerque Alexandre de Freitas Barbosa Sergio Amadeu da Silveira Tarso Genro Julian Rodrigues Leda Maria Paulani Thomas Piketty Gilberto Maringoni Marjorie C. Marona Luiz Carlos Bresser-Pereira Atilio A. Boron Paulo Fernandes Silveira Luiz Marques Airton Paschoa Benicio Viero Schmidt Walnice Nogueira Galvão Sandra Bitencourt Ricardo Fabbrini Eugênio Trivinho Rodrigo de Faria João Carlos Loebens Jean Marc Von Der Weid Gilberto Lopes Dênis de Moraes Marcelo Guimarães Lima Annateresa Fabris Alysson Leandro Mascaro Yuri Martins-Fontes Kátia Gerab Baggio Bento Prado Jr. José Micaelson Lacerda Morais Alexandre de Lima Castro Tranjan Leonardo Boff Ricardo Abramovay Marilena Chauí Ari Marcelo Solon Caio Bugiato José Machado Moita Neto João Carlos Salles Priscila Figueiredo Heraldo Campos Marcelo Módolo José Raimundo Trindade Anselm Jappe Paulo Capel Narvai Lucas Fiaschetti Estevez João Lanari Bo Marcos Aurélio da Silva Slavoj Žižek Luiz Bernardo Pericás Daniel Afonso da Silva Daniel Costa Jorge Branco Michel Goulart da Silva Andrew Korybko Eliziário Andrade Samuel Kilsztajn Manuel Domingos Neto José Costa Júnior Michael Löwy Vanderlei Tenório Luiz Renato Martins Eleutério F. S. Prado Marcus Ianoni Bruno Fabricio Alcebino da Silva Boaventura de Sousa Santos Antonino Infranca Flávio R. Kothe Fernão Pessoa Ramos Armando Boito Liszt Vieira Manchetômetro Lincoln Secco Ricardo Antunes Celso Frederico Bernardo Ricupero Andrés del Río Chico Alencar

NOVAS PUBLICAÇÕES